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A importância da Psicologia Junguiana na segunda metade da vida

“Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade”. (JUNG, 1961, 2ª. ed.). Essas frases que aparecem logo de início no prólogo da autobiografia de Jung, nos leva a pensar que representem, verdadeiramente, o resumo da vida e obra de C.G.Jung. Daí, poderemos perceber a importância da psicoterapia junguiana para quem procura “curar-se” dos seus sintomas, ou quer se aprofundar em si mesmo, no sentido de se autoconhecer e, com efeito, desenvolver-se estabelecendo um elo compacto consigo mesmo.

Se a psicoterapia junguiana é tão importante na primeira fase da vida, ou seja, até por volta dos trinta e cinco anos, quando ainda a pessoa tem, hipoteticamente, muito tempo a ser vivido, e muito a realizar nas esferas: amorosa, sexual, profissional e familiar, a psicoterapia junguiana ainda se propõe a trabalhar com o indivíduo da meia idade em diante. Mesmo apresentando lamentos semelhantes em relação à vida, o enfoque terapêutico é diferente agora. Doravante, satisfeita a primeira fase, o novo prisma é a finalização da vida. Queira ou não, a pessoa caminha para a velhice e a morte, e essa direção exige nova forma de ver a vida.

Era muito comum que Jung recebesse em seu consultório pacientes a partir de mais ou menos trinta e cinco anos de idade que, independentemente de suas condições financeiras e intelectuais, queixavam-se, principalmente, de “um vazio interior, de uma falta de sentido para suas vidas”. Ainda hoje, talvez até em quantidade muito mais acentuada, pessoas que têm esse mesmo sentimento, enchem os consultórios dos psicoterapeutas. Essa neurose, no entanto, raramente pode ser curada sem o desenvolvimento de uma atitude religiosa, no sentido de re-ligare.

“Entre todos os meus doentes na segunda metade da vida, isto é, tendo mais de 35 anos, não houve um só cujo problema religioso mais profundo não fosse constituído pela questão de sua atitude religiosa. Todos em última instância, estavam doentes por ter perdido aquilo que uma religião viva sempre deu em todos os tempos a seus adeptos, e nenhum curou-se realmente sem recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria. Isto, é claro, não depende, absolutamente de adesão a um credo particular, ou de tornar-se membro de uma igreja”. (JUNG, apud SILVEIRA, 1978, p. 141-142).

Jung viveu em um ambiente protestante durante seu crescimento, pois, na família da sua mãe “havia seis pastores protestantes”. “Meu pai e dois irmãos também o eram” (Jung, 1961, 2ª.ed., p 49). Era muito corriqueiro, portanto, que ele ouvisse muitas conversas religiosas, discussões teológicas e sermões. Não conseguia ter fé nos dogmas religiosos, tais como eram proferidos, e eram comuns as discussões com seu “pai-pastor”, por querer saber mais sobre aquilo que eram os “mistérios religiosos”.

Jung, no entanto, nunca se furtou a pesquisar sobre todas as áreas concernentes ao ser humano, incluindo as religiões. Para si mesmo, chegou à conclusão que deveria seguir seu próprio caminho. Ao observar e analisar cuidadosa e atentamente a simbologia das manifestações religiosas que o cercavam, Jung deduz que elas existem como representações na mente humana. Há na psique conteúdos arquetípicos ” possibilidades herdadas para representar imagens similares; são formas instintivas de imaginar (SILVEIRA, 1978, p.77) – na psique, essas manifestações coletivas que embasam as mais diversas religiões. Ele considerava a “religiosidade uma função natural, inerente à psique. …Dir-se-ia mesmo que a religião é um instinto”. (ibid, p.141).

Porém, Jung usa a palavra religião no sentido de religio (re-ligare). Religar o consciente com certos poderosos fatores do inconsciente a fim de que sejam tomados em certa consideração. Esses fatores caracterizam-se por suas fortíssimas cargas energéticas, e intenso dinamismo. Aqueles que os defrontam falam de uma emoção impossível de ser descrita, de um sentimento de mistério que faz estremecer (mysterium tremendum)”. (SILVEIRA, 1978, p.142).

Logo após formar-se em medicina e ter escolhido a área de psiquiatria, Jung começou a trabalhar no Hospital Psiquiátrio de Burgholzli, como colaborador de Bleuler e pesquisador original. Empreendeu o teste de associação de palavras. Essas experiências fundamentaram o conceito de complexo de tonalidade afetiva. São estes “a imagem de determinada situação psíquica, com forte carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições ou atitude habitual da consciência”. (JUNG, 1984, par. 201. ? Ele nos ensina que “os complexos se comportam como seres independentes” (idem par. 253) e que “não existe diferença “de princípio algum entre uma personalidade fragmentária e um complexo…complexos são psique parciais”. (Idem par.202).

O trabalho psicoterapêutico de base teórica junguiana trabalha muito com os complexos, visando impedi-los de agirem autonomamente, como uma personalidade diferente dentro da pessoa. A expansão da consciência se dá através da limpeza desses complexos, pela própria conscientização dos mesmos. A energia que se encontrava presa neles, se torna disponível e poderá ser direcionada a situações realmente convenientes e mais saudáveis ao indivíduo.

O processo psicoterapêutico na psicologia analítica envolve um trabalho com a personalidade toda, ou seja, consciente e inconsciente. Trata-se de um relacionamento dialético, e longo, entre analista e paciente ou analisando. A análise volta-se para a averiguação dos processos inconscientes do paciente, com a finalidade de aplacar condições psíquicas sentidas como insuportáveis, por causa de interferência autônoma dos complexos na vida consciente do Ego. Embora, o ponto de partida seja o distúrbio, que pode ser de natureza neurótica, ou psicótica, bem mais acentuada, o processo psicoterápico pode levar ao processo de individuação. Além da conscientização, a psicoterapia junguiana tem um aspecto teleológico. Visa também, levar a pessoa a perceber que toda a sua história se desenvolveu em direção a uma meta única e diferente de todas as pessoas do universo.

O processo de individuação, levado a termo de modo consciente é “um processo místico” (JUNG, 2000, par.1095). Conduz à realização do Self “o centro da personalidade, a imagem de Deus dentro do homem” como uma realidade psíquica maior que o Ego. “É um processo mediante o qual um homem se torna o ser único que de fato é”. (JUNG, 1978, par.267). Neste caso, o “termo religião” designa uma atitude particular de uma consciência transformada pela experiência do numinoso”. (JUNG, 1988, par.9).

Este, então, é um processo religioso, “a religião (que significa “religação”) tem como finalidade essencial o vínculo entre o homem e Deus. Isso corresponde a Eros…” (EDINGER, 1987, p.54).

 

Fonte: Profa. Ms. Cleide Becarini Alt (Coordenadora do curso de pós-graduação em Psicologia Junguiana da Facis).

 

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Referências:

EDINGER, E. A criação da consciência. SP: Cultrix, 1987.

JUNG, C.G. Memórias, Sonhos, Reflexões. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1961.

. Estudos sobre a psicologia analítica (O.C.VII). Petrópolis: Vozes, 1978.

. A dinâmica do inconsciente (O.C.VIII). Petrópolis: Vozes, 1984.

. A prática da psicoterapia (O.C. XVI). Petrópolis: Vozes, 1988.

. A vida simbólica (O.C.XVIII/2). Petópolis: Vozes, 2000.

SILVEIRA, N. JUNG: vida e obra. 6ª.ed.. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

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